Scratched legs seen on competitor after competing in Barkley Marathon.
© Jeremy Liebman
Corrida

Conheça a maratona mais difícil do mundo

A Barkley Marathon existe desde 1986 e apenas 15 pessoas cruzaram a linha de chegada
Escrito por Stephen Lewis, com adaptação de Juliana Vaz
6 min de leituraPublicado em
A Barkley Marathon é descrita como "uma corrida de aventura infernal" por quem já teve a coragem de competir. Não se trata de apenas uma ultramaratona, e um recordista que conseguiu percorrer 160 km e cruzar a linha de chegada nos conta como é essa competição brutal.
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Gary "Lazarus Lake" Cantrell teve uma inspiração inusitada para criar a ultramaratona em 1986: a fuga de James Earl Ray, o assassino de Martin Luther King Jr. Após escapar da penitenciária em uma região montanhosa do Tennessse, nos EUA, correu por 55 horas na floresta antes de ser capturado a apenas 13 km do presídio. Cantrell fez graça da história, dizendo que nesse mesmo tempo teria conseguido correr 160 quilômetros.
Assim, a mente criativa de Cantrell criou a Barkley Marathon, uma ultramaratona que já mostra de cara que é inusitada ao abrir apenas 40 vagas (que costumam esgotar em pouco tempo). Para participar, não basta pagar a taxa de inscrição. É preciso apresentar uma carta argumentando que, sim, você é um ultra-atleta de corrida de montanha e será capaz de chegar ao fim. Os pré-requisitos? Ninguém sabe e os aprovados não podem revelar.
A ultramaratona acontece na região de "Frozen Head State Park" na cidade de Wartburg, no Tennessee e é preciso completar cinco voltas pelo trajeto determinado. Essa é a única informação que se tem antes da prova.
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Até hoje, somente 15 pessoas terminaram a prova no tempo-limite de 60 horas. E a cada vez que alguém cruza a linha de chegada, Cantrell dá um jeito de tornar a competição mais próxima do impossível – 2019 foi o segundo ano consecutivo em que nenhum corredor conseguiu chegar ao fim da Barkley Marathon.
O início da corrida pode acontecer tanto à meia noite, quanto ao meio-dia e relógios com GPS e smartphones são proibidos. No fim, a corrida que foi criada para fazer os participantes desistirem instiga ainda mais os corredores a enfrentá-la. O perímetro de 35 km deve ser percorrido cinco vezes pelos corredores que precisam achar os checkpoints em que há um livro e arrancar uma página para provar que passaram por ali.
E se alguém tinha a chance de se tornar a primeira mulher a completar a prova, essa atleta é Nicki Spinks, que carrega dois recordes no currículo: Double Bob Graham Round e Double Ramsay Round, circuitos de altíssimo nível no Reino Unido. Em particular, o pódio do Double Bob tem 193 km foi conquistado em 55 horas, feito que nenhum outro ser humano conseguiu até hoje. Só um super-herói consegue. A seguir, ela conta como foi essa experiência:
Nicky Spinks stands with her race number ahead of the Barkley Marathon.

Nicky Spinks pictured surveying the start area pre-race

© Nicky Spinks

"Encontrar a rota seria ótimo para a preparação, mas ninguém vai revelar isso antes. Eu estudei o mapa que é entregue na inscrição e tentei imaginar onde poderiam existir vales, qual tipo de kit de corrida os veteranos usam, quais erros poderia evitar como não levar comida suficiente. Cantrell é severo. Depois da largada, ninguém pode voltar pra pegar um mapa.
Nicky Spinks inscreve-se para a Barkley Marathon com Lazarus Lake.

Apenas ser aceito como participante da corrida já é uma honra

© Nicky Spinks

Os critérios de seleção são sigilosos. Mas o fato é que é preciso começar a treinar mesmo antes de saber se foi ou não aceito. Como meu treinamento é contínuo, isso não foi um problema. Quando soube da confirmação, dei um gás na preparação que, normalmente, não ultrapassa a marca de 65 km por semana.
Costumo fazer uma quilometragem baixa mas com muitas elevações. Então, em Gales faço 3,5 mil metros de subida em 25 km de distância. As pernas sentem esse impacto, principalmente após uma semana de treinos pesados de corrida. Como sou fazendeira, lido bem com privações de sono e é comum perder uma noite de sono. Sem paradas para um cochilo, só força mental pra passar por isso.
Competitors run through forested land during the Barkley Marathon.

Spinks's demanding work on her farm helped with sleep deprivation

© Nicky Spinks

Para a primeira volta eu esperava encontrar algum veterano que soubesse a rota e fazer uma dupla. O que não prejudica em nada, afinal todos sabem que duas cabeças pensam melhor que uma só. Vi Stephanie Case, que fez a prova no anterior. Billy Read também era um novato que veio da Irlanda e tinha o mesmo plano que eu: grudar em alguém e ser o mais gentil possível."

A primeira volta

Alguns amigos comentaram sobre algumas plantas espinhosas que eu encontraria no caminho. Tentei me precaver usando uma proteção extra para as pernas, mas o calor era tanto que usei shorts. Resultado: parte da pele ficou nos espinhos.
Competitors use poles during the Barkley Marathon to get up steep climbs.

Spinks had to deal with spiked plants and serious elevation

© Nicky Spinks

Para chegar ao fim da Barkley é preciso completar a primeira volta em até 10 horas. O dia estava muito quente, então não quis acelerar o pace porque eu já estava transpirando o suficiente. Nós esperávamos completar a segunda volta em um tempo parecido. Algo em torno de 11,5 horas.

Segunda volta

Quando nos aproximamos de onde deveria ter um chuveiro próximo, começou a chover bem forte. Vestimos nossas roupas extras e o vento frio era severo. A água da chuva tornou o solo impossível: cheio de barro e lodo. Para nos movermos era preciso segurar nas árvores. Minha temperatura foi caindo conforme subíamos os morros, mas descer é que esfriava ainda mais o corpo, já que não havia como correr.
Mesmo congelando de frio, nós insistimos. Cada vez que parávamos, batíamos os dentes. O tempo saiu de 20°C para -5°C. Quando Stephanie parou e me deu aquele olhar eu senti alívio. Eu estava chegando no meu limite que meu cérebro parou de funcionar. Só conseguia pensar em banho quente e comida quentinha.
Mas também estávamos decepcionadas. Se tivéssemos incluído no kit acessórios e roupas de inverno, teríamos continuado apesar do cansaço extenuante. Lembrar que algumas camadas extras de roupas resolveria o problema – e que tudo estava na barraca de apoio, fora da trilha – é no mínimo irritante.
Competitor runs through a wooded pass during the final loop of the Barkley Marathons.

John Kelly descends the Rat Jaw on his fifth and final loop in 2017

© Jeremy Liebman

Enquanto fazíamos a trilha de volta, Stephanie me perguntou se eu voltaria novamente. Fui enfática em dizer que não. Ela riu e disse que me perguntaria de novo daqui uns dias. Logo no dia seguinte, você fica repassando tudo o que fez e poderia ter feito diferente e quando menos espera surge aquele pensamento 'por que não tentar mais uma vez? Se eu levar mais casacos... Não foi tão horrível assim...'

O conselho de Nick para os novatos

"É fundamental saber como se orientar e ficar confortável em trilhas e travessias. Há muitas colinas. É um sobe e desce constante. E a cada volta, as subidas ficam brutalmente mais difíceis. Eu me preparo mentalmente pensando em diversos cenários e tudo o que pode dar errado. Leio muito, ouço podcasts, converso com pessoas. Tudo aquilo que possa me ajudar, vou atrás. Ainda assim, nunca enfrentei algo tão difícil. Meu problema principal era pensar em com me manter aquecida o suficiente para conseguir pensar na trilha e no desempenho físico."
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