Gaming
© Amy Kontras / Red Bull Content Pool
Esports
LAN house e CS: o nascimento dos esports no Brasil
Os fatos que fizeram o esporte eletrônico bombar no País
Quando se pensa na criação dos esports no Brasil, é provável que pouca gente saiba quem foram os players que atuaram pra que o cenário surgisse e persistisse. Essa é uma história de coragem e teimosia, estrelada por pioneiros que apostaram em uma onda que parecia passageira e que, no fundo, todos acreditaram que vingaria.
No princípio era a LAN
O marco-zero dos esports no Brasil passa pela origem das LAN Houses. A primeira rede a surgir foi a Monkey, criada em 1998 por Sunami Chun, à época um jovem de 23 anos em busca de ideias para empreender. "Eu estudava na Coreia quando tive contato com uma LAN House. Não era algo tão grande, mas tinha coisas absurdas, como monitores panorâmicos de 21 polegadas. As cadeiras eram quase poltronas. Pensei: ‘Eu poderia abrir um negócio desses no Brasil'. Quando voltei, eu fazia faculdade de ciências sociais e não estava muito feliz. Foi aí que falei para minha mãe, que sempre me apoiava e falou pra eu procurar um lugar, criar um plano de negócios, levante quanto ia precisar", conta.
A primeira Monkey foi inaugurada na alameda Santos, região nobre de São Paulo. No início, ninguém entendia aquele espaço futurista equipado com 20 PCs de última geração. “Perguntavam se era um cassino com videopôquer", lembra Chun. "Na Coreia o nome era PC bang, ou sala de PCs. Mas achei que LAN, de Local Area Network, era mais fácil de entender.” O boca-a-boca lotava a loja, com longas filas nos finais de semana. Meses depois, surgiu uma leva maior de interessados em um novo game cuja popularidade se espalhava – um certo… Counter-Strike.
“O CS apareceu e virou febre, todo mundo só queria jogar isso. No Brasil tem essa coisa social, colaborativa, de brincar de ‘polícia e ladrão’. E tinha o lado meio tribal de a molecada se reunir e criar clãs, de fazer parte de um grupo.”
Mesmo que outros games fossem jogados, foi o sucesso de CS que encorajou a Monkey a criar novas lojas em São Paulo, enquanto um esquema de franquias fez a marca chegar a outros Estados. No auge, a rede teve mais de 60 pontos no País.
“Foi nessa época em que o Leo de Biase se juntou. Ele frequentava a loja, participava da comunidade de jogadores e fez uma proposta para entrar no marketing da Monkey.”
O poder da comunidade
Hoje um dos diretores da holding de esports BBL, Leo de Biase recorda quando conheceu a Monkey: “Nessa época, ser gamer no Brasil era só para apaixonados. Daí descubro um lugar com computadores, onde todos se reúnem, os games já estão instalados e pagando por hora? Vou morar aqui!”. De tanto passar tempo na loja, ele vislumbrou um potencial maior para a diversão coletiva.
“Comecei a frequentar e fiz amizade com todo mundo. Só que eu fazia Administração, era antenado no que rolava fora. Eu falava para o Chun: ‘Isso vai ficar gigante se você montar várias lojas’, Ele só escutava. Até o dia em que falou: ‘Tá bom, te dou aquela salinha debaixo da escada’. Eu nem tinha um cargo e nem sabia montar um business plan. Quando a Monkey virou uma franqueadora oficial, eu virei funcionário.”
Leo criou estratégias de fidelização, como o “corujão”, que estendia o horário para quem curtia jogar de madrugada. Clientes começaram a formar times, o que encorajou a Monkey a organizar torneios entre lojas. Lá fora, a onda do game como esporte começava a dar os primeiros passos. Surgida em 1997, a Cyberathlete Professional League (CPL) oficializou formatos de torneios e indicou o caminho viável para o esport por aqui.
“O Chun contava que os primos dele na Coreia viam torneios de games na TV. Em 1999, antes de rolar o evento da CPL em Dallas, eu falei: 'Deixa eu ver como funciona. Se bobear, trago a licença e faremos o primeiro campeonato internacional do País’. Foi minha primeira experiência no exterior com games. A arena principal era de Quake III, enquanto o CS estava no canto, como jogo-teste. Bateu o santo na hora e decidi que levaria aquilo para o Brasil. Falei com o Angel Munoz, dono da CPL, e foi acontecendo.”
Entre 1999, quando CS começou a ser jogado no Brasil, até o primeiro evento da CPL no país, em 2001, um ecossistema embrionário de esports se desenvolvia nas LAN Houses. Foi nessa condição que sementes de times como MIBR e g3X germinaram rumo à consagração na comunidade de CS. Mas quando a CPL Latin America aconteceu, em São Paulo, ninguém imaginava o desfecho. Leo recorda:
“O time alemão SK participou e atropelou os daqui. Os brasileiros morriam sem saber de onde vinha o tiro. Ninguém sabia como eles jogavam, porque na época não tinha transmissão de campeonato. Foi a virada de chave para uma mentalidade de que o CS não é só jogado, mas deve ser estudado. Depois, os times começaram a treinar no exterior ou importar jogadores. Senão, o nível teria ficado baixo.”
Colocando valor nos games
O aprimoramento dos jogadores foi essencial para desenvolver o potencial dos esports, mas isso não ocorreria sem a insistência de empreendedores como Mitikazu Lisboa, atualmente à frente da rede de arenas Digital Battlegrounds. Em 2003, com a agência Marketing Cell, ele iniciou a tarefa de atrair marcas a investirem em torneios e times. “Eu não tinha opção a não ser bater nas portas das empresas”, diz. “No começo, só ouvi ‘nãos’.”
“Havia o discurso de que o esport seria grande, mas até para quem estava dentro, era difícil de aceitar. Se eu disser que sabia, é mentira. Nosso primeiro trabalho foi com a Intel. Ficamos responsáveis por achar um time para a empresa patrocinar, que foi o g3x, do Gaulês, e também por organizar a CPL. Eu tentava reservar hotel para os jogadores e dizia que viria gente do mundo inteiro para jogar games no Brasil, e eles não botavam fé que podíamos pagar a conta.”
Ainda que o sucesso das LAN Houses e a popularização de CS tenham sido cruciais, sem o investimento dos patrocinadores, o esport teria se limitado a um nicho. Para Miti, a virada foi o amadurecimento do mercado, que ofereceu o recurso para as engrenagens girarem.
“Há 20 anos, a Intel patrocinou a CPL, mas era difícil encontrar outra marca que investisse. Hoje, são elas que vêm atrás. Quando falo com um diretor de empresa grande, ele entende o que estou dizendo, porque sabe que o filho dele joga o dia inteiro. Foi preciso que pessoas no comando das grandes verbas vivessem a realidade dos games para dar força ao mercado.”
A aprovação da imprensa
É curioso notar que o jornalismo especializado daquele tempo não levava o esport a sério, ainda que fosse difícil resistir ao apelo dos torneios e seus protagonistas. Théo Azevedo, na época colaborador do jornal Folha de São Paulo, foi um dos que ficou intrigado sobre o real potencial dos jogos competitivos. Para ele, o fator humano fazia toda a diferença.
“O esport entrou no meu radar em 2002, porque os torneios internacionais chegaram – além da CPL, havia a ESWC e a WCG, todos com brasileiros competindo. Cobri a final do WCG no Autódromo de Monza, na Itália, com desfile de delegações de 70 países! Mas o que ajudou a impulsionar foram as histórias. Como em toda modalidade esportiva, o esport está atrelado à coisa do ídolo, não é só sobre resultados. E a mídia tinha apetite para contar boas histórias.”
É de se destacar que boa parte da imprensa apelava ao clichê “jovens que ganham dinheiro para jogar games”. Ainda assim, Théo crê que a cobertura nos grandes veículos foi decisiva para o crescimento do negócio.
“Os responsáveis foram os pioneiros, as marcas que apostaram e os primeiros atletas. A imprensa veio depois, para cobrir isso. Nosso papel foi importante, porque não existia YouTube e redes sociais, então era o único jeito de saber o que acontecia.”
Nova década, novos games
Em poucos anos, muito mudou. A difusão da banda larga e o maior acesso à tecnologia de ponta contribuíram para o fim da Monkey em 2010, enquanto a queda no interesse por CS (em sua versão Source) esfriou o apelo dos esports no Brasil.
Mas foi um título do gênero MOBA que preencheu a lacuna: lançado no país em 2012, League of Legends caiu nas graças de uma nova geração de fãs. A partir daí, outra história passa a ser contada.
As limitações de crescimento já parecem coisa do passado. Se celebramos hoje que o esport no Brasil é negócio de gente grande, foi porque certas pessoas jamais deixaram de crer que isso fosse possível. Demorou, mas o jogo virou de vez.
Baixe agora o app da Red Bull TV e tenha acesso a vídeos, filmes e séries!