Ziza: "Quando fazemos arte, deixamos um pouco de si em cada muro."
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Cultura Urbana

'Grafite nasce dentro da gente e vai acontecer na rua'

Como a arte que é pilar da cultura hip-hop transforma vidas há mais de 50 anos
Escrito por Evandro Pimentel
5 min de leituraPublished on
Para ouvidos menos treinados, "cultura hip-hop" pode soar como algo que se resume a um estilo musical. Mas é muito mais que isso: em seus quatro elementos, grafite, MCing, DJing e breaking, o estilo de vida nascido da contracultura preza por uma sociedade com mais igualdade, transformando cidades feitas de concreto frio em palcos onde artistas se sentem livres para deixar suas marcas – seja por música, dança ou grandes desenhos que não escapam dos olhos de ninguém.
O grafite surgiu na cidade americana da Filadélfia no começo dos anos 60 e chegou a Nova York poucos anos depois, quando pessoas começaram a escrever seus nomes (as "tags" ou "etiquetas", em inglês) por toda a cidade. A técnica evoluiu para desenhos mais complexos e chegou ao Brasil no fim da década de 70. Assim como nos Estados Unidos, também aqui artistas excluídos de lugares que monopolizavam a arte viram no grafite uma forma para que pudessem se expressar.
"É uma potência de linguagem pra alertar, pra dar afago e pra transformar", diz Laís Fernanda, grafiteira de Itaquera, bairro da zona leste de São Paulo. Conhecida como Da Lama, ela descobriu a arte há mais de dez anos, graças a dois amigos que já faziam parte do universo. "Um dia fui fotografá-los e pintei pela primeira vez meu nome. E não parei mais", lembra.
Da Lama: "O grafite é um ato de liberdade."

Da Lama: "O grafite é um ato de liberdade."

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Essa vontade de se expressar, que surge com o primeiro contato com uma lata de tinta, é comum entre os grafiteiros. O impulso é fundamental, o treinamento vem depois, na rua. "Um amigo que andava de skate tinha uns sprays e a gente começou a criar uma estética de desenho na rua de casa, em Pedreira [zona sul de São Paulo]. Mas a gente nem sabia que isso era alguma coisa", diz o grafiteiro Vinícius Targa.
Com o tempo, Vinícius percebeu que o simples ato de deixar sua marca pela cidade tinha um poder transformador gigantesco. "Não é só o grafite pelo grafite, a arte na parede, tem todo um contexto político, social, e principalmente étnico", explica Targa. "Tem muito amigo meu que carrega no DNA de rua, de pintura, aquilo que ele é", afirma.
Targa: "A vontade de ser visto é o maior incentivo."

Targa: "A vontade de ser visto é o maior incentivo."

© Reprodução (Instagram)

Mulher preta periférica, Da Lama também é uma dessas pessoas que teve a vida transformada pelo grafite. "Ele me trouxe a conexão com a minha identidade pessoal, minha ancestralidade, meu feminino e minha maternidade", conta. "Conheci muita gente importante e mulheres que têm vivências muito próximas às minhas, grafiteiras de periferia, que se uniram e juntaram forças para se potencializar nesse universo, enfrentar o machismo e trazer visibilidade."
Escancarar sua existência por meio do grafite também é o que motiva a grafiteira Regina Elias, a Ziza, do Jardim Pery Alto, zona norte de São Paulo, que há 14 anos intervém na cidade com suas obras que destacam a estética feminina negra e suas múltiplas faces. "Essa motivação me fez olhar para o território e, através das minhas narrativas, contar histórias sobre pessoas e sobre uma ancestralidade com a qual buscamos nos reconectar", diz.
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Ziza, grafiteira
Ziza: "Quando fazemos arte, deixamos um pouco de si em cada muro."

Ziza: "Quando fazemos arte, deixamos um pouco de si em cada muro."

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O poder de representatividade do grafite faz com que ele esteja em todos os lugares. "A vontade de ser visto é o maior incentivo", diz Targa. "Hoje o grafite também está muito dentro das galerias, o que eu vejo como um ponto positivo, mas ele não pode perder a essência da rua. O grafite vem de dentro da gente e vai pra rua, que é o lugar da democracia, onde tudo acontece."
Em 1997, nasceu no bairro de São Mateus, zona leste paulistana, o OPNI, grupo que reunia pessoas com um ideal em comum: usar a arte para expressar a realidade diária que que os tornava invisíveis. Entre seus integrantes está o grafiteiro Val, que classifica o grafite como uma "arte radical". Por estar nas ruas, a comunicação com as pessoas é direta e democrática.
"Sendo um artista preto periférico, a maior dificuldade é ter condição financeira para poder manter nossa arte", diz Val. "Também temos dificuldades dentro da nossa quebrada, com a violência policial, o extermínio da população negra e toda essa vulnerabilidade que nos consome. Somos sobreviventes de uma guerra dentro das quebradas que existe desde sempre."
Val: "O grafite é a alma das ruas."

Val: "O grafite é a alma das ruas."

© Divulgação

O grafite é o maior aliado do Grupo OPNI para tentar mudar essa realidade. "Temos um projeto em São Mateus, chamado Favela Galeria, e nele a gente usa as fachadas das casas e lojas dentro da quebrada como suporte artístico", diz Val. "Transformamos a favela em uma galeria de arte a céu aberto, dando uma nova opção na quebrada além das igrejas e bares e ajudando a desenvolver o turismo na periferia."
Mural da Favela Galeria, em São Mateus, zona leste de São Paulo

Mural da Favela Galeria, em São Mateus, zona leste de São Paulo

© Divulgação

Para Val, o grafite ressignifica os caminhos da autoestima. "Ele ajuda a revolucionar as pessoas e redireciona os pensamentos através das cores", conta. "Temos que ter, além de saúde e segurança, arte nas vidas de todos, e a arte urbana compõe e dialoga com o todo. O grafite é a alma das ruas", conclui.
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