Baile funk
© Jeferson Delgado
Música

O funk registrado pelas lentes do fotógrafo Jeferson Delgado

Ele tem apenas 20 anos, mas já registrou os principais artistas e eventos do funk brasileiro. "Sou um moleque novo que almeja o mundo"
Escrito por Luana Dornelas
7 min de leituraPublished on
Jeferson Delgado é um fotógrafo que vivencia e registra os bailes de um jeito único desde os 18 anos. Jornalista, apaixonado por comunicação e cria do Capão Redondo, bairro da Zona Sul de São Paulo, ele é mais um jovem da periferia que contraria as estatísticas todos os dias, tornando-se referência de superação e persistência. Com apenas 20 anos, já fotografou os principais bailes, MCs e rappers do Brasil, o que faz dele um dos principais fotógrafos da cena atual.
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Jeferson é formado pela escola Énois e produz conteúdo voltado à periferia em seu canal do YouTube, Favela Business, onde aborda assuntos relacionados a empreendedorismo de quebrada, vivências e produções independentes. Além disso, está sempre por dentro de tudo o que rola no universo funk, de dentro pra fora. Seja fotografando um baile no fim de semana, pesquisando a nova tendência das quebradas, o novo passinho do momento ou trocando uma ideia com o MC da vez. Sempre com determinação e simpatia contagiantes.
Durante a semana, trabalha no portal Kondzilla como repórter e fotógrafo, contando as novidades quentes da cena. Aos sábados e domingos, acompanha os shows da turnê do NGKS, grupo que se destacou com a febre da dança “Passinho dos Maloka”, e vem ganhando espaço na cena do funk com suas músicas e vídeos de passinhos que viralizaram pela internet, registrando tudo para a websérie Vida de Maloka.
No meio dessa rotina corrida, ainda arruma tempo para registrar os bailes e ainda tocar os conteúdos do seu canal. Recentemente, ele realizou sua primeira exposição, "Um Giro No Fluxo", no Bar da Fundão, no Capão Redondo. Isso tudo é só o começo para ele, e pode ter certeza que você ainda vai ouvir falar sobre ele por aí.
Trocamos uma ideia pra sacar um pouco mais dos corres de fotografar o universo do funk.
Nitro Point

Nitro Point

© Jeferson Delgado

Quando você começou a fotografar e qual o primeiro baile que você fotografou?
Comecei a fotografar com celular, sempre brisava tirando fotos pelo Centro, pela Galeria do Rock, que tem uma estrutura legal de prédios, usava o app VSCO e comecei assim, mas nunca imaginei que ia trabalhar como fotógrafo. Em 2016, tava morando na USP, fazendo cursinho sem saber o que fazer da vida, e um dia, ajudando uma galera produzir um evento chamado “Por que a USP não tem cotas”, uma mina do audiovisual me viu olhando pra câmera dela e perguntou se queria fazer umas fotos. Fiz várias fotos com o KL Jay tocando, mas não sabia mexer em nada, as fotos saíram meio zuadas e escuras. Mas foi uma das primeiras vezes que mexi com uma câmera. O primeiro baile que eu fotografei foi o Baile do Bega, ali na 17, e a Nitropoint, que é praticamente uma reunião dos principais bailes de São Paulo, tipo um Tomorrowland dos bailes de funk. Juntei as fotos em uma matéria no site do Kondzilla e uma viralizou, foi foda.
Baile da Penha, no Rio de Janeiro

Baile da Penha, no Rio de Janeiro

© Jeferson Delgado

Nessa época, você já imaginava que poderia se tornar um fotógrafo profissional?
Já tava trabalhando com isso, mas não era uma realidade, a ideia de fotografar os bailes veio muito por matérias sobre bailes, sobre funk, que é minha formação, uma cultura que sofre tanto preconceito, aí eu ia lá fazer fotos, escrever matérias. Quando comecei mesmo não imaginei que ia ser fotógrafo profissional, achei que ia gravar uns vídeos, dirigir uns clipes, mas hoje eu tô numa vibe que minhas fotos falam por si só e contam uma história, mas eu não sabia que eu poderia ganhar dinheiro e sobreviver disso.
Me conta alguns artistas que você já fotografou
O primeiro mesmo foi o KL Jay, mas sempre pensei que queria ter essa vivência com os artistas, fotografar shows. As primeiras foram a Tasha e a Tracie, do selo CEIA. Fui praticamente com a roupa do corpo pro Rio de Janeiro, dormi na casa de um amigo, cheguei cedo na balada que elas iam se apresentar pra fotografar e foi foda. Depois foram surgindo oportunidades, o Djonga, Febem, Jonas, Akira Presidente, Rincon, Dj Guga, MC M&M, MC Hollywood, Hashid, Vitão, Coruja, Bivolt, Clara Lima.
De todos os bailes que você já colou, qual foi o mais marcante?
Acho que o da Nitro Point, o fato de uma foto minha de lá ter viralizado, virado flyer, capa do SoundCloud, eu vi a foto em vários lugares. Fiquei feliz, é foda pelo lance de direito autoral, e agora tô tendo um cuidado redobrado com isso, já que virou o meu trabalho. Saiu umas fotos monstro, fiz duas matérias sobre umbrella, dos guarda-chuvas que a galera levava pro baile de lá.
Nitro Point

Nitro Point

© Jeferson Delgado

Qual a maior dificuldade de ser um fotógrafo de baile?
Ainda tem muita barreira do audiovisual na quebrada, a câmera é como se fosse uma mídia e o estereótipo da mídia é falar mal da favela, então a gente acaba sofrendo com isso porque queremos falar bem e pegar o melhor possível pra jogar na internet, eu vou pra produzir e fazer esse contraponto que a grande mídia não faz. Teve uma vez que os caras me enquadraram por conta da câmera, teve que ligar lá pro dono da favela para autorizar e colocar dois mano de moto na nossa cola pra ninguém roubar nosso material. A câmera ainda assusta um pouco, então tem sempre que pedir permissão e ter um contato e tal com a galera, mostrar que você tá indo lá fazer um trampo da hora.
Qual sua maior inspiração pros seus trampos?
Eu confesso que eu fui começar a flagrar esse lance de fotografia muito depois, uma amiga do Rio me mostrou um fotógrafo francês, o Vincent Roseblatt, que fotografou muito baile, vários funkeiros antigos, e esses dias me peguei estudando as fotos dele, mas eu não tenho uma referência, uma inspiração. Depois de um tempo eu comecei a estudar minhas fotos e meu chefe me ajudou a entender, então quando você é fotógrafo de baile você começa a procurar a identidade do ambiente e vai só fazendo e não percebe que aquilo é uma referência direta do lugar. O Renato [Martins, editor-chefe do portal Kondzilla] me ajuda a muito, a achar minha própria identidade, e hoje eu vejo que sou referência pra outra galera. Um dia um menino da Zona Norte me mandou mensagem no direct do Instagram, e ele ficou felizão que respondi, pediu pra trocar uma ideia porque precisava tirar umas dúvidas, e eu falei: "Mano estuda isso, estuda aquilo, esse material aqui é melhor, e saiba que você vai entrar numa área elitista, então vamo fortalecer o negócio". É isso que me inspira todos os dias.
Megatron

Megatron

© Jeferson Delgado

Em tão pouco tempo de carreira, você já conquistou muita coisa. Como você se imagina no futuro?
Primeiro, pra mim é muito difícil aceitar tão fácil que tudo mudou, um moleque que foi expulso da escola e quase nem completou o ensino médio, virou uma referência pra uma galera, pelo jornalismo, pela fotografia, pelo trabalho. Isso é uma responsabilidade muito grande, e a vida adulta vai batendo. Mas eu vejo um futuro muito próspero, a cada ano que passa eu vou vendo que vai ficando melhor, trampos grandes, eventos, palestras em lugares que eu nem imaginava. Quero pensar na quebrada, trazer o audiovisual pra quebrada, é uma puta ferramenta. Penso muito na gringa, fazer umas exposições com as minhas fotos e tal, porque sei que sou um dos poucos que fotografa baile. Quem sabe um dia. Mas eu penso em ganhar o mundo, viver do meu sonho, do meu trampo, ajudar os meus pais e não depender de nenhuma empresa. Eu sou um moleque novo que pensa degrau por degrau, mas almeja o mundo.
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