MC Carol levanta público durante o Red Bull Music Academy NYC
© Krisanne Johnson
Música

O que é Funk Proibidão?

Amaya García traça a tumultuada evolução desse som explícito e socialmente consciente do Rio de Janeiro
Escrito por Amaya García
10 min de leituraPublished on
Nova York (2017)

MC Carol no Red Bull Music Academy Festival

© Krisanne Johnson

Assim como o samba no começo do século 20, a bossa nova e a lambada no final dos anos 70 ou com o tecnobrega no final dos anos 2000, a cultura onívora do Brasil observa seus músicos trazerem influências musicais de fora, numa amplitude que embarca desde o funk norte-americano, o hip-hop e o tecno europeu e os transforma em sons que são inerentes e inegavelmente brasileiros. Entre os gêneros mais populares de música que emergem no Brasil está o funk carioca, um som nascido nas favelas há quase 30 anos.
A música hipertropical, inspirada pelo estilo Miami bass e carregado de batidas do candomblé se tornou o som, a voz e o grito de guerra das comunidades pobres, com funkeiros servindo como contadores de histórias modernos, ilustrando a vida dos morros cariocas. “O funk era a afirmação da identidade afro-brasileira, assim como uma luta por direitos culturais. Ele era a única oportunidade para o oprimido de erguer sua voz e, às vezes, ainda o é”, explica Mano Teko, presidente da APAFUNK – organização criada para militar pelos direitos dos funkeiros – em entrevista com portal de música Sounds and Colours. Ao trazer a ira da polícia, do governo, dos legisladores e cidadãos-de-bem nesse processo, o funk carioca se tornou uma das mais intensas e interessantes exportações de toda a rica história musical do país, ramificando-se diversamente em estilos como o funk melody, o funk putaria, o funk socialmente consciente e o subgênero mais polarizador de todos, o funk proibidão.

O proibidão é sacana numa maneira explícita, mas não é necessariamente simpático à violência ou à criminalidade

O funk proibido ou proibidão vem sendo descrito pela grande mídia brasileira como algo sacana e complacente com o crime, que reverencia facções como o temido Comando Vermelho. O proibidão é sacana numa maneira explícita, mas não é necessariamente simpático à violência ou à criminalidade e, infelizmente, conceitos com aqueles estabelecidos pela mídia acabam perpetuando a criminalização de uma cultura nascida, crescida e exportada a partir das circunstâncias sociais mais terríveis. Na entrevista para o Sounds and Colours, Mano Teko argumentou: “As letras não são uma ode à violência, mas simplesmente uma recordação da realidade diária das favelas. Um leitor de notícias não faz a mesma coisa? E ele é punido por isso? A verdade é a que a prefeitura proíbe o funk porque eles têm medo do poder desse som. O funk é uma forma de protesto e, nas favelas, qualquer forma de protesto é proibida”.
O proibidão diz muita coisa para todo mundo, ele é esquivo de uma definição própria. Mas fato é que a história do proibidão está intrinsicamente ligada às origens do funk carioca e às tomadas violentas do governo brasileiro nas favelas.
Carlos Palombini, um dos historiadores mais proeminentes do proibidão, aponta que o nascimento do funk carioca foi por volta de 1989, com o lançamento do primeiro LP do DJ Marlboro. O “DJ Marlboro apresenta funk Brasil” sinalou o nascimento do primeiro gênero de música eletrônica nascido no Brasil, derivado diretamente do funk afro-americano e do Miami bass, importados no país por DJs itinerantes. Originalmente, as características básicas do funk carioca, e por conseguinte do proibidão, eram os vocais improvisados (às vezes em formato de duelo), executados por um ou dois MCs, sobre o sampleado de “8 Volt Mix” do DJ Battery Brain – indiscutivelmente, uma das batidas mais sampleadas na música popular americana (ver Parliament-Funkadelic, Janet Jackson, Indeep e, oras, até mesmo Fergie). Depois de tanto samplear e remixar o “8 Volt Mix”, o DJ Luciano adicionou, em 1998, um toque de capoeira, candomblé e batidas de maculelê aos sintetizadores 808 e apelidou o ritmo de “tamborzão”, criando, definitivamente, o som do funk carioca que viria a dominar as baladas das Américas e Europa nos anos seguintes.
O funk carioca e o proibidão acontecem nas noites do fim de semana em bailes apinhados e suados, também conhecidos como fluxos, a muitos e muitos degraus morro acima no coração das favelas. Os donos da aparelhagem que convidam os famosos MCs como o Furacão 2000, o Chatubão Digital, Cash Box e Pitbull, para nomear alguns, geralmente se utilizam do boca-a-boca para chamar os festeiros para a balada. O proibidão nasceu dentro deste sistema em 1995 com os MCs Júnior e Leonardo, da favela da Rocinha, lecionando uma verdadeira aula à plateia sobre metralhadoras, granadas e rifles com o “Rap das Armas”, a primeira batida de funk oficialmente chamada de “proibida”. O estilo se manteve firme e, com os MCs Cidinho e Doca, da favela Cidade de Deus, tornou-se um hit em 2008 com refrão cativante e melódico “parapapapá-pa-pa-pa-papapá”. Até hoje não há consenso se estas músicas buscam criticar ou glorificar a violência nas favelas. Seja como for, para a maioria dos MCs de proibidão, o que eles estão cantando é a verdade.

Após a “pacificação” das favelas, os fluxos sumiram e o funk carioca seguiu para outras direções

“A gente cantava o que a comunidade queria ouvir”, afirma Mr. Catra, ex-membro dos MCs hardcore de proibidão, ao XLR8R. “O proibidão não é só sobre os traficantes. Ele também fala sobre os problemas de corrupção, a insatisfação dos pobres – ele fala da realidade”. O filme Favela on Blast, produzido em 2008 pela Diplo, documentou extensivamente as condições que geraram os fluxos nas favelas, alguns anos antes das UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) tomarem violentamente o controle da Vila Cruzeiro e do Morro do Alemão, duas das favelas mais “problemáticas” do Rio. Num dos trechos registrados com a população local, jovens não-identificados comentam sobre o proibidão: “Eles fazem de tudo para não tocar o proibidão nas rádios locais. Mas foda-se, as músicas não são lançadas em disco e se tornam um sucesso. O proibidão te ensina como viver nas ruas. Ele fala a verdade. Ele fala o que caralhos está acontecendo aqui”.
A maioria dos artistas de funk como o Menor do Chapa, o MC Orelha, Mr. Catra e MC Tovi faziam parte do proibidão, mas, após a tomada da polícia no Morro do Alemão e na Vila Cruxeiro em 2010, os fluxos foram criminalizados e os shows de funk carioca sofreram todo tipo sanção não-oficial, através de diversas leis que impuseram taxas pesadíssimas para a autorização de um estabelecimento, assim como o uso de segurança, detectores de metais nas saídas e um tempo de abertura restrito. Um dos casos mais divulgados envolvendo músicos do proibidão foi aquele em que os MC Frank, Max, Tikão, Dido e Smith foram presos sob vagas acusações de ilegalidade, envolvendo suas performances de proibidão.
Carlos Palombini escreveu exaustivamente sobre este assunto em sua tese “Proibidão em tempo de pacificação armada”, documentando a complacência dos conglomerados midiáticos, como a Rede Globo e a prefeitura municipal carioca com relação aos funkeiros. Após a instalação das unidades policiais permanentes, o MC Tovi e o DJ Diogo lançaram o hoje famoso “UPP não entra aqui”, cuja letra denuncia a presença e a violência policial nas favelas. Pouco tempo depois, veio MC Dido com a ainda mais combativa “UPP filha da puta, sai do Borel”, música pela qual ele foi indiciado e proibido de cantar.
Após a “pacificação” das favelas, os fluxos sumiram e o funk carioca seguiu para outras direções. Embora a luta continuasse no Brasil, M.I.A. e Diplo fizeram grande sucesso internacionalmente com “Bucky Done Gun”, e gravadoras como a Man Recordings, na Alemanha, criaram compilações introduzindo este estilo aos ouvidos norte-americanos e europeus. Deize Tigrona, MC do funk consciente e da putaria, viajou pelo mundo inteiro e mostrou o lado feminino desse estilo. O DJ Marlboro começou a emplacar o funk melody, mais agradável ao público e, de acordo com Palombini, o proibidão saiu do uso predominante do tamborzão para o beatbox como sua base rítmica.
Ainda sim, definir proibidão permanece uma tarefa difícil. “Acredito que não haja uma única definição consistente”, explica Wolfram Lange, pesquisador musical, fundador do blog Sound Goods e atual residente do Rio de Janeiro. “Com certeza, dependendo do departamento policial, existem definições diferentes para o funk, porque depende do que eles estão investigando no momento. Em geral, depende das palavras e qual palavrão é usado”. Uma vez que o funk é muito popular no Rio de Janeiro, e os artistas que eram antes apenas ouvidos nos fluxos ou bailes funk nas favelas adentraram à consciência popular, MCs como a Valesca Popozuda (da antiga Gaiola das Popozudas), Ludmilla e MC Catra criaram versões limpas ou, chamadas “liberadão”, do funk proibido. “Um ponto interessante em relação ao proibidão e às versões mais leves é o grande hit de verão ‘Deu Onda’ do MC G15”, explica Wolfram. “A versão proibidão possui o refrão ‘meu pau te ama’ enquanto o MC criou uma versão leve onde se diz ‘o pai te ama’. Em português, é apenas uma letra que muda todo o sentido do refrão, mas todos sabem como é que deveria soar de verdade”.
Wolfram Lange segue explicando que, em alguns casos, o proibidão foi usado como uma ferramenta de marketing, uma vez que o termo possui uma credibilidade de rua inegável, algo que o dinheiro não pode comprar – ele é mais underground, com um toque de perigo. “Talvez existam pessoas tentando vendê-lo ou chamando de proibidão algo que nem mesmo o é, pelo menos de um ponto de vista policial ou criminoso”, comenta Wolfram Lange. “Eles tentam vende-lo assim porque talvez isso atraia uma grande audiência. Então, talvez o mais pesado do proibidão você não o encontrará tão facilmente na internet ou websites registrados (como o proibidão.org de Palombini), onde você sabe quem está por detrás daquela página”.
Ambos o funk e o proibidão – estilos que são praticamente indistinguíveis em termos de som – se transformaram radicalmente com o passar dos anos, incluindo mudanças sutis na base rítmica, o sampleado dos top 40 hits americanos (onde é comum serem usados em outros tipos de músicas eletrônicas brasileiras, como o tecnobrega) e sua evolução em outros estilos, como o neo-baile e o arrastão. Gigantes internacionais, como Leo Justi e sua gravadora “Heavy Baile”, que lançou de Tropkillaz e MC Carol, vêm ampliando não apenas sua produção, mas o tipo de conteúdo também.
MC Carol, por exemplo, é uma feminista negra cuja música não apenas se foca em fazer o povo dançar, mas também educá-lo sobre a violência contra as mulheres nas favelas, quebrar com o estrito padrão de beleza que reina no Brasil e por toda a América. Uma de suas canções mais famosas, “Não Foi Cabral”, vem sendo analisada por professores universitários. (Ela prioriza a narrativa indígena e contesta a noção de que o Brasil fora “descoberto” por Pedro Álvares Cabral). O som “100% Feminista” de Tropkillaz, produzido por Leo Justi, com sua batida pulsante, traz MC Carol e Karol Conka protestando contra o patriarcado.
Desde o nascimento do funk carioca, a cultura do funkeiro vem sendo constantemente discriminada, segregada e criminalizada. E assim como o samba, o forró, o hip-hop e outras músicas vindas de minorias ou regiões pobres, o funk acabou sendo também reconhecido pelo governo: em setembro de 2009, o governo federal adotou o slogan “funk é cultura” – declarando que o funk faz sim parte do patrimônio cultural brasileiro.
O lento reconhecimento da importância do funk no Brasil é um reflexo da influência e presença persistente desta música, enquanto sua contínua reinvenção o torna um gênero disposto a manter o mundo inteiro descendo até o chão a cada nova canção lançada. O funk veio não apenas para moldar a música eletrônica brasileira, mas as comunidades artísticas do mundo em questão de som e atitude: melódico, consciente, profano, proibido e – por ora – justamente bem-recebido.
Por Amaya García – 26 de abril de 2017 – Red Bull Music Academy